Durante aula inaugural dos cursos de Graduação e Mestrado da PUC Goiás, o Coordenador de Relações Internacionais da ABEPSS, Ramiro Marcos, e a Conselheira-presidente do CRESS Goiás, Nara Costa, analisaram a conjuntura mundial e nacional, de avanço do conservadorismo, com o agravante da pandemia e apontaram caminhos coletivos para saída do cenário de barbárie.
Vivemos tempos sombrios, de grande perplexidade, de avanços de traços barbarizantes na vida social que se acirraram em meio à pandemia do novo coronavírus. São já mais de seis meses de “isolamento físico” (“não de isolamento social!”). Apesar de novo e difícil, esse cenário abre a possibilidade de nos perguntarmos sobre questões essenciais, como o valor da vida, as condições de vida e trabalho, e de pensar e revalorizar coisas que têm a ver com a essência humana. Devemos abraçar esses elementos e fortalece-los no intuito de forjar uma grande força humana e popular que dê freio a esse cenário perigosíssimo. A reflexão é do Professor Doutor Ramiro Marcos Dulcich Piccolo, da Universidade Federal Fluminense (UFF) e Coordenador de Relações Internacionais da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) que junto com a Assistente Social, Conselheira-presidente do CRESS Goiás, Nara Costa, ministrou a aula inaugural do semestre letivo dos cursos de Graduação e Mestrado do Serviço Social da PUC Goiás.
Ramiro Marcos destaca que em um período histórico muito curto, de apenas 30 anos, passamos de um mundo bipolar, com Estados Unidos e a ex-União Soviética imperando, para um período de hegemonia unipolar norte-americana (pós-guerra fria), seguido de uma época onde o multilateralismo foi retomado. No entanto, esse atual mundo multipolar – com Estados Unidos, União Europeia, China e Rússia divididos em blocos de poder – está ameaçado pelos EUA que fazem de tudo para enfraquecer os “adversários” geopolíticos, na tentativa de mandar sozinhos no planeta.
Os impactos desse contexto de disputa e concorrência acirrada em nível mundial sobre regiões periféricas do capitalismo, como a América Latina, são notórios. “Na medida que esse cenário se acirra, percebe-se como o interesse norte-americano pelo controle do nosso território se intensifica”, afirma Ramiro Marcos, que é pesquisador na área do Serviço Social e do pensamento social, com ênfase na formação profissional e a partir de linhas como o capitalismo na América Latina.
Ele alerta para a emergência das chamadas “guerras híbridas” que são processos de desestabilização políticas forjados, processos de manipulação ideológica forjados, processos de impeachment forjados, juízos políticos forjados (sem provas!), não só no Brasil – ocorreram por exemplo em Honduras e no Paraguai. “Esses processos (de guerras híbridas) buscam neutralizar qualquer tentativa de governo que não se alinha com os interesses e a estratégia do império norte-americano, que pretende manter a sua hegemonia no sistema mundial, hoje ameaçada fortemente pela emergência e o fortalecimento de outras potências e outros blocos de poder”, ressalta.
O professor da UFF destaca que essa disputa entre blocos de poder, pela hegemonia mundial, ocorre em meio à uma crise “inerente e estrutural” do capitalismo contemporâneo, que se reproduz já há algumas décadas. Essa constatação, no entanto, é insuficiente: “É uma crise peculiar que para ser desvelada requer muito investimento em pesquisa. E o Serviço Social não se furta a isso”, enfatiza.
O estudioso chama a atenção para o fato de que historicamente, mesmo sob crises cíclicas, o sistema capitalista tem uma capacidade enorme de se reinventar, ser versátil, se adaptar e superar as barreiras de suas próprias contradições. Daí a necessidade, durante e no pós-pandemia, de resistência e luta “pelo conjunto das forças contestatórias, subalternas, que não compactuam com uma América Latina dependente, oprimida e acorrentada”. Essa resistência, no entanto, requer consciência da realidade e muita criatividade. “Temos que revitalizar e recriar as nossas energias, superar o pessimismo que imobiliza, sem tirar os pés do chão”, propõe Ramiro Marcos.
Segundo ele, o desafio principal dos setores que buscam construir relações mais emancipadas e humanizadas está na sua capacidade organizativa para coletivamente, seja na formação, no movimento estudantil, com os movimentos sociais, as assessorias, por meio dos diversos fóruns da categoria, sermos proativos, criativos e contemporâneos”, considera o professor da UFF. “Não estamos falando de heróis da resistência e luta, mas de efetividade para disputar e avançar. Por isso a ABEPSS tem como bandeira de sua gestão ‘Resistir e avançar na ousadia de lutar’”, conclui.
A assistente social e Conselheira-Presidente do CRESS, Nara Costa, também avalia que o avanço do conservadorismo é desafiador e exige enfrentamento local e global. No Brasil, frisa, a tendência é o governo seguir junto com as forças políticas do campo conservador, adeptos de um modelo econômico destrutivo ambientalmente e socialmente, com ampliação do desemprego, da miséria, e do fosso entre as elites e os pobres. “Esse modelo fragiliza a soberania, reduz direitos e perspectivas de justiça social”, denuncia.
Nara, assim como o professor Ramiro Marcos, destaca que a pandemia só veio agravar uma crise que já estava colocada e, no caso do Brasil, escancarar um modelo perverso de enfrentamento dos problemas, capitaneado pelo atual governo federal. “O governo ataca o serviço e o servidor público e passa uma falsa sensação de que está querendo organizar e fortalecer o Estado, ser austero”, quando o que faz na verdade é entregar os recursos públicos para a iniciativa privada.
Também diretora do Sindsaúde, conselheira municipal de saúde, trabalhadora da Secretaria Estadual de Saúde e da Secretaria Municipal de Assistência Social, Nara Costa afirma que em Goiás e em Goiânia a situação não é diferente. Segundo ela, a prefeitura se aproveita da “emergência da pandemia” para terceirizar serviços públicos, o que já vem ocorrendo há bastante tempo no âmbito estadual. Praticamente todos os serviços de alta complexidade são prestados por Organizações Sociais (iniciativa privada!) que recebem recursos dos fundos públicos. “Tentam passar a imagem de um serviço de qualidade, mas o que vemos é cada vez mais dificuldade da população para acessar aos serviços públicos”.
Desafios do trabalho profissional
Nara Costa falou também sobre os desafios do trabalho de assistentes sociais em meio à pandemia. Segundo ela, quem vem atuando em ‘home office’ teve intensificada a sobrecarga no trabalho. Por outro lado, há profissionais que estão sendo solicitados/as a fazer trabalhos presenciais, como visitas domiciliares e entregas de cestas básicas, por exemplo. Ela destaca que o CRESS Goiás tem se comunicado formalmente com prefeituras e outros gestores públicos, no sentido de manifestar a autonomia profissional, reforçar as instruções normativas e leis que regulamentam o trabalho de assistentes sociais e exigindo a garantia das condições adequadas de trabalho, com segurança, EPIs, visando resguardar a vida dos/as profissionais e a vida da população atendida.
Nara Costa avalia que a conjuntura difícil traz em seu bojo “um porvir muito interessante, que depende da capacidade criativa e da consciência coletiva de classe para avançar”. A presidente do CRESS Goiás reconhece que o conservadorismo é latente, mas salienta: “da mesma forma percebemos que nosso projeto ético-político-profissional, o projeto do conjunto CFESS/CRESS, se sustenta, é forte”. Consciente e realista sobre o cenário tenebroso, Nara acredita na reviravolta. Parafraseando Gilberto Gil, ela conclui: “a humanidade olha para frente”.
A aula inaugural dos cursos de Graduação e Mestrado do curso de Serviço Social da PUC Goiás aconteceu no dia 10 de setembro, de forma remota, com transmissão ao vivo pelo pelo Facebook da Escola de Ciências Sociais e da Saúde da universidade. Coordenada pelas professoras Carmen Regina Paro e Denise Andrade Neves, teve como tema “Serviço Social, formação e trabalho profissional no contexto da pandemia”. Para assistir a íntegra da aula inaugural basta clicar aqui: https://www.facebook.com/ecisspucgoias/videos/3453810108046796
CRESS Goiás
Assessoria de Comunicação
Cláudio Marques – DRT 1534