“Frente aos desafios que o tempo histórico nos traz, nossa escolha é a resistência, não há outro caminho”, aponta a assistente social e conferencista Raquel Ferreira Crespo de Alvarenga, durante a 35ª Semana d@ Assistente Social promovida pelo CRESS Goiás.
O 15 de maio, dia do Assistente Social, foi comemorado em grande estilo, em meio à programação da XXXV Semana da/do Assistente Social e do VIII Simpósio Goiano de Serviço Social. O tema da semana, “Nossa escolha é a RESISTÊNCIA: somos classe trabalhadora! – Em defesa dos direitos da população e do trabalho profissional com qualidade” não poderia ter sido mais apropriado, segundo aponta a professora e conferencista paraibana, Raquel Ferreira Crespo de Alvarenga. A conferência foi aberta pela presidenta do Conselho Regional de Serviço Social – Seção Goiás, Ana Ângela Brasil, e foi coordenada pela assistente social Patrícia Oliveira Ramos.
Graduada e mestra em Serviço Social pela Universidade Federal da Paraíba, servidora do Instituto Nacional de Seguridade Social, Raquel conduziu, na manhã desta terça-feira, 15, a conferência “A seguridade social sob fogo cruzado: expropriação de direitos, lutas e resistência” e frisa: “hoje não existe mais a palavra direito. Estamos vivendo uma época de expropriação de todos os nossos direitos, um desmonte das políticas de seguridade social nunca visto na história do nosso País, políticas que ainda nem foram concretizadas na sua essência, ainda são artigos não regulamentados da Constituição de 1988, que foram objeto de luta e que agora correm o risco de serem extintas”.
A professora trouxe a realidade do desmonte pelo qual passa o INSS e da política de seguridade social brasileira, sob a égide do atual governo. “Estamos passando por um momento muito delicado dentro da autarquia [INSS]. Se não houve a contrarreforma [previdenciária] oficial, internamente ela já está acontecendo, seja no acesso ao benefício previdenciário, seja no acesso ao benefício assistencial. Isso não passa somente pela expropriação do direito ao benefício, mas também do acesso ao serviço social. Os usuários que cotidianamente nos procuram estão ameaçados de não terem mais esse serviço, devido à ingerência que há atualmente dentro da autarquia. A cada dia nos tiram atribuições e competências”, declara.
Embora pareça óbvio, Raquel disse que a precisão do tema da XXXV Semana atinge em cheio as várias categorias de trabalhadores brasileiros, até mesmo parte dos assistentes sociais. “Tem muito assistente social que ainda não se considera classe trabalhadora. A mídia e a pós-modernidade colocam a não existência de classe, o que na minha opinião é um equívoco. Nós somos classe trabalhadora e estamos bastante precarizados”, expõe.
Recorte histórico
A professora fez um recorte histórico do papel do assistente social na elaboração da Constituição de 1988 e, posteriormente, na regulamentação da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), em 1993, sob o governo de Itamar Franco com o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. “A seguridade social chega para nós na constituição de 1988, com o famoso tripé saúde, previdência e seguridade social. Foi com a luta dos profissionais de serviço social que foi possível ser aprovada a LOAS, com todas as limitações que ela possui. Nós fizemos o possível naquele momento, quando o Fernando Henrique bateu na mesa, dizendo que era isso ou nada”.
Analisando o contexto da aprovação da LOAS e a realidade atual, a mestra em Serviço Social faz uma dura constatação. “Se em 93 nós lutávamos por uma assistência ampla e irrestrita, e aquilo que nós conseguimos não foi satisfatório à época, como não é, hoje, nessa conjuntura de expropriação de direitos, lutamos para mantê-lo como está, para que não haja mais perdas”, avaliou.
Ela exemplificou a constatação com o Benefício assistencial ao idoso e à pessoa com deficiência (BPC), cuja continuidade está ameaçada para grande parte daqueles que dele necessitam. “Os critérios adotados, a forma de acesso, tudo está sendo feito para dificultar o máximo possível o acesso, para limitar, retrocedendo inclusive na definição do que é deficiência, algo que é cruel. Isso sem contar que eles trouxeram o BPC para a contrarreforma da previdência, alterando o caráter da política, que era de assistência e não de seguridade”, considerou.
“Num contexto de um movimento que exigia financiamento, políticas de gestão e controle social para a Seguridade Social, a realidade que hoje se apresenta traz justamente o contrário”, exemplifica a professora, citando as desvinculações de receitas da União (DRU), que alcançaram 30% de nossas receitas em 2016. “O financiamento da seguridade social tem sido solapado pela DRU. A elite brasileira, os nossos governos, possuem vínculos estreitos com o capital internacional. Essas instituições internacionais querem uma política dos pobres para os pobres. Isso vem acompanhado da necessidade da flexibilização do trabalho e da reestruturação do Estado em função deste capital internacional, que precisa se alimentar. Um movimento que vem desde os anos 70 e que no Brasil se intensificou no governo FHC. O capital é um sanguessuga”, expressa, questionando logo após: “como dar concretude à essas bandeiras de luta, num momento como esse, principalmente num País como o Brasil que nunca chegou a consolidar uma estrutura de bem-estar social?”.
Resistência
Apesar do contexto “temerário” que é abordado, Raquel Ferreira acredita que há espaços e formas de resistência que devem ser alimentados pela classe trabalhadora brasileira e, em especial, pelos assistentes sociais, seja pela busca do conhecimento histórico, seja pela união de todas as categorias em função de um projeto de país voltado para os trabalhadores, com uma política tributária justa para quem trabalha, e não para quem explora a força de trabalho.
“Nos nossos espaços de atuação junto à população, junto aos colegas, nos sindicatos, precisamos deixar claro qual é a reforma que queremos. Ela passa não pela penalização da classe trabalhadora, mas pela revisão dos benefícios fiscais e das isenções para setores de alta renda. Passa, por exemplo, por taxar as grandes fortunas, pelo combate à sonegação de impostos, que soma cerca de R$ 860 bilhões por ano, cerca de 13% do PIB”, destaca.
De acordo com a professora, há um projeto que precisa ser defendido de forma clara, constante e de forma aguerrida: a seguridade pública como política estatal e universal. “Frente aos desafios que o tempo histórico nos traz, nossa escolha é a resistência, não há outro caminho. A defesa desse projeto passa pela defesa do trabalhador brasileiro, não tem jeito. Como diz Frei Betto, é preciso defender o trabalhador, ainda que ele esteja errado, porque é ele o responsável pelo crescimento e pela riqueza do nosso País”, assevera.
A professora Raquel Ferreira foi homenageada, ao final de sua explanação, com um ipê amarelo, que recebeu das mãos da presidenta do CRESS-GO, Ângela Brasil, como um símbolo da resistência. A conferencista finalizou sua explanação com a leitura de uma poesia da juíza federal Raquel Domingues do Amaral que, segundo ela, “reflete bastante a luta dos dias atuais”:
Sabem do que são feitos os direitos, meus jovens?
(Raquel Domingues do Amaral)
“Sentem o seu cheiro?
Os direitos são feitos de suor, de sangue, de carne humana apodrecida nos campos de batalha, queimada em fogueiras!
Quando abro a Constituição no artigo quinto, além dos signos, dos enunciados vertidos em linguagem jurídica, sinto cheiro de sangue velho!
Vejo cabeças rolando de guilhotinas, jovens mutilados, mulheres ardendo nas chamas das fogueiras!
Ouço o grito enlouquecido dos empalados.
Deparo-me com crianças famintas, enrijecidas por invernos rigorosos, falecidas às portas das fábricas com os estômagos vazios!
Sufoco-me nas chaminés dos Campos de concentração, expelindo cinzas humanas!
Vejo africanos convulsionando nos porões dos navios negreiros.
Ouço o gemido das mulheres indígenas violentadas.
Os direitos são feitos de fluido vital!
Pra se fazer o direito mais elementar, a liberdade, gastou-se séculos e milhares de vidas foram tragadas, foram moídas na máquina de se fazer direitos, a revolução!
Tu achavas que os direitos foram feitos pelos janotas que têm assento nos parlamentos e tribunais?
Engana-te! O direito é feito com a carne do povo!
Quando se revoga um direito, desperdiça-se milhares de vidas …
Os governantes que usurpam direitos, como abutres, alimentam-se dos restos mortais de todos aqueles que morreram para se converterem em direitos!
Quando se concretiza um direito, meus jovens, eterniza-se essas milhares vidas!
Quando concretizamos direitos, damos um sentido à tragédia humana e à nossa própria existência!
O direito e a arte são as únicas evidências de que a odisseia terrena teve algum significado!”
Texto: Rodrigo N. Leles (JP 1224GO)
Foto: Ângela Macário
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