O governo federal, desde 2019, faz graves ataques à política nacional de saúde mental, à Reforma Psiquiátrica e à luta Antimanicomial. Revoga portarias e atos normativos e, com o apoio de seus asseclas no Congresso Nacional, altera leis para, na prática, impor uma outra política -- contrária à que defendemos, que é baseada no cuidado em liberdade com autonomia e respeito aos Direitos Humanos.
Essa (anti)política pública do atual governo federal tem desmontado a Rede de Atenção Psicossocial (Raps), fortalecido comunidades terapêuticas, entidades privadas e restritivas de liberdade; e desconsiderado a participação popular na construção da Política de Saúde Mental.
O pernicioso objetivo é dar força e protagonismo ao modelo biomédico e hospitalocêntrico, em oposição ao que os movimentos sociais, entidades e instituições de defesa do SUS público estatal e da Reforma Psiquiátrica defendemos.
Essa famigerada política cria lastro nos estados e municípios. Em Goiás, vem na forma de duas leis recentemente aprovadas pela Assembleia Legislatva do Estado e sancionadas pelo governador Ronaldo Caiado.
A primeira é a Lei nº 21.292 em 6 de abril de 2022, que institui a Política Estadual de Atenção, Cuidados e Proteção da Saúde Mental, divulgada no diário oficial/GO – Nº 23.774. Segundo o Fórum Goiano de Saúde Mental:
“(...) isso ocorreu sem nenhuma discussão prévia com usuários, trabalhadores, pesquisadores e militantes da luta antimanicomial, em pleno período da V Conferência Nacional da Saúde Mental, cujas etapas municipais foram realizadas em todo o Estado. Ao aprovar um texto vago e aparentemente inofensivo, o governo goiano inverte a direção da política pública no estado se contrapondo à radicalidade de substituir o manicômio por uma Rede de Atenção Psicossocial – RAPS, abrindo espaço para incluir Comunidades Terapêuticas, sinônimas de manicômios”. (Manifesto do Fórum Goiano de Saúde Mental, maio/2022)
A mais recente é a Lei nº 21.465, de 23 de junho de 2022, que “institui a religiosidade como política pública na abordagem, recepção, recolhimento, encaminhamento, tratamento, recuperação e ressocialização de dependentes químicos”. Consideramos que essa lei é sabidamente inconstitucional, pois o Estado Brasileiro é laico, ou seja: nenhuma política pública pode ser de caráter religioso. Por óbvio, o direito ao culto é garantido constitucionalmente, contudo nenhuma política pública pode ser de caráter excludente ou de direcionamento, que possa beneficiar essa ou aquela religião.
Ressalte-se ainda, no caso da Lei nº 21.465, que a própria Secretaria de Estado da Saúde (Despacho nº 2128/2022, de 8/6/2022), baseada em pronunciamento da Gerência de Saúde Mental / Superintendência de Saúde Mental e Populações Específicas, por meio do Despacho nº 94/2022 – SES/GSM, antes de aprovada a referida lei, posicionou-se pelo veto do então Autógrafo de Lei nº 236/2022, o que foi desconsiderado pelo Poder Legislativo Estadual e pelo Governador. Afirma o parecer da SES:
2. Dentro de uma perspectiva biopsicossocial pode-se até considerar a religiosidade como um aspecto terapêutico, entretanto não se pode compreender a religiosidade como um pressuposto básico para o processo de reabilitação de pessoas dependentes de substâncias psicoativas.
3. Diante do exposto, esta Gerência manifesta pelo veto do Autógrafo de Lei nº 236/2022.
Ademais, coadunamos com posicionamento público do Conselho Federal de Serviço Social - CFESS, contrário ao financiamento público de comunidades terapêuticas, porque não há comprovação de eficácia destas instituições no tratamento e pelo fato de essas instituições não serem nem poderem ser ou assumir atribuições de unidades de saúde.
Nosso repúdio aos ataques à Política de Saúde Mental pautada na Reforma Psiquiátrica e na Luta Antimanicomial!
Manicômio nunca mais!
CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL 19ª Região Goiás
Nara Costa
Conselheira-presidente
Goiânia, 6 de julho de junho de 2022.